Em princípios do século XIX, o Rio de Janeiro viveu supostamente uma onda de terror causada pelo rapto de crianças recém-nascidas da Santa Casa de Misericórdia. Uma mulher que havia exercido a profissão de prostituta durante vinte anos na cidade era a acusada. Nos registros polícias afirma-se que ela apareceu como Bárbara Onça e Bárbara dos Prazeres, e sua lenda nos revela algo macabro e a difícil situação da mulher nos primórdios do Brasil recém-independente.
Maria Bárbara dos Prazeres nasceu em Portugal por volta de 1761. Não sabemos a cidade onde ela nasceu ou o nome de seus pais e detalhes de sua infância. Em 1779 em busca de melhores condições de vida Bárbara e seu marido, de nome desconhecido, chegaram ao Rio de Janeiro, então capital do Brasil, quando ela tinha 18 anos.
Apesar de ser uma mulher casada, Bárbara acabou se apaixonando por um mulato livre de nome desconhecido e arranjou a morte do marido. A paixão, no entanto, durou pouco, ela desencantou-se com o amante que teve a mesma sorte que seu marido, foi morto durante uma discussão a punhaladas. Bárbara supostamente estaria cansada de suas traições e ter de sustentá-lo. Aos 20 anos, bonita e sem dinheiro Bárbara entregou-se a prostituição, pois as mulheres na época não tinham oportunidade de emprego.
Durante os 20 anos seguintes exerceu a profissão no Rio de Janeiro. Foi quando ganhou o apelido de “Dos Prazeres”, não apenas pela qualidade de seus serviços que eram vendidos a dois vinteis, mas por causa de uma imagem de Nossa Senhora dos Prazeres, que ficava bem debaixo do Arco do Teles e que ela adotou como sua protetora. Supostamente ela atenderia homens de classe média e alta.
Fotografia do Arco do Teles, RJ, neste local Bárbara dos Prazeres teria oferecido seus serviços sexuais.
(Fotografia de Ricardo Deutsch Junior. Reprodução/Wikipedia Commons)
(Fotografia de Ricardo Deutsch Junior. Reprodução/Wikipedia Commons)
Conta a lenda que além de adúltera e prostituta Bárbara teria matado sua própria irmã envenenada, mas não sabemos se isso aconteceu em Portugal ou no Brasil ou se é verdade. Ela até mesmo chegou a trabalhar como cantoneira na província da Cisplatina (atual Uruguai). Cantoneira no caso é um dos muitos nomes usados antigamente para se referir às prostitutas das ruas, as que se entregavam pelos cantos da cidade. Provavelmente ela assim como outras prostitutas do Rio de Janeiro seguiu os soldados brasileiros que lutariam na Guerra da Cisplatina, ocorrida entre os anos de 1825 e 1828 pelo controle do território uruguaio.
Durante sua estádia no país Bárbara contraiu varíola. Ela sobreviveu a doença e escapou das garras da morte ficando, contudo, completamente deformada. Mesmo assim após sair da Santa Casa regressou ao Rio de Janeiro e continuou na mesma vida de prostituição, bebedeiras e desordens. Tempos depois contraiu uma doença muito pior que a varíola: a lepra. “Suas orelhas incharam e os lábios grossos corroídos e deformados pela doença deixaram ver dentes pontiagudos e gengivas sangrentas que davam a sua fisionomia uma estranha ferocidade. Daí chamaram-na de Bárbara Onça” (Ribeiro, 1958).
Assim Bárbara perdeu toda sua clientela e transformou-se em mendiga e acabou indo parar no Arco do Teles no centro do Rio de Janeiro, na época, o arco ao contrário dos dias de hoje era um monte de escombros que sobrou de um incêndio que deitou abaixo o prédio localizado acima. Era um local onde prostitutas, mendigos e doentes se reuniam.
Ironicamente Bárbara recebeu o pior castigo por seus crimes, perdeu sua beleza, ou seja, sua fonte de renda. Mas ela não estava conformada e desesperada por dinheiro e ávida para recuperar sua aparência de outrora teria recorrido a rituais macabros para alcançar tal fim. Para curar-se Bárbara procurou ajuda entre ciganos e negros no Morro do Nheco, o atual Morro do Pinto. Ela a princípio banhara-se em sangue borbulhante de cães, gatos, cabritos e outros animais degolados. Ingeria carne de cobras, sapos, lagartixas. Os feiticeiros ainda teriam a instruído a chicotear-se com feixes e ervas das sete sangrias só encontrável nos mangais. Mas como não obteve resultado Bárbara decidiu então adotar outro tratamento.
Aconselhada por feiticeiros ciganos e mestres do vodu afro “adveio-lhe a convicção que curaria sua lepra mediante o uso do sangue de recém-nascidos” (Ribeiro, 1958) e assim Bárbara começou a caçar crianças pelas ruas do Rio de Janeiro. De noite ficava próxima à roda dos expostos na Santa Casa de Misericórdia da cidade onde as crianças rejeitadas iam para a orfandade.
Na calada da noite era ouvir um choro de bebê ou ruído da roda e Bárbara o mais ágil possível corria para a sua presa antes que alguma freira pudesse pegar a criança e levá-la para o interior do convento, ia em direção ao mangue e lá amordaçava o recém-nascido e o pendurava numa árvore com as mãos amarradas para trás e lhes cortava o pescoço e banhava em seu sangue. Bárbara deixava o sangue de suas vítimas escorrer sobre as chagas purulentas que cobriam seu corpo crendo dessa maneira conseguir livrar-se da lepra. “Alimentada essa esperança, praticado mais esse crime entre preces a estranhadas divindades e grunhidos de satisfação, de lá saia Bárbara dos Prazeres, satisfeita, alucinada, delirante a prosseguir sua vida de louca criminosa que marcou uma época” (Ribeiro, 1958).
Ninguém jamais soube onde Bárbara enterrava os corpos dos meninos e meninas que sacrificava. Alguns especulam que os mesmos tenham ocorrido em sua própria casa na extinta Praça Onze, onde ela também teria feito seus sacrifícios e rituais. Por coincidência ou não as freiras da Santa Casa de Misericórdia notaram que o número de crianças ali abandonadas caíra a menos da metade durante o período da atividade macabra de Bárbara.
A polícia teria sido alertada dos desaparecimentos, mas não conseguiu capturar Bárbara, que já carregava nas costas pelo menos dois assassinatos. Ela aparece nos registros policiais da época como Bárbara dos Prazeres e também como Bárbara Onça. Não se sabe quando ela morreu, nem se é verdadeira a história de que a expressão “A onça vai te pegar” usada por mães para assustar as crianças teria nela sua origem. Teses defendem que nesse período surgiu a expressão “cuidado que a bruxa está solta”.
O que se sabe é que sua história assustadora e trágica perdurou mais do que perdurou sua vida. Dizem que até hoje em certas madrugadas sem lua quando já partiram os últimos garçons dos bares da travessa do comércio e cessou o movimento da boemia escuta-se no beco a gargalhada de Bárbara dos Prazeres ecoando assustadoramente pelos vazios escuros do Arco do Teles.
Este artigo foi redigido por Fernanda Flores. A autora permite a livre divulgação deste texto e a tradução integral ou parcial do mesmo, sem alterações ou falsificações, para outras línguas desde que seja citada a fonte e a autoria.
Sobre imparcialidade e o conteúdo:
Este artigo foi escrito da maneira mais isenta possível, de acordo com as informações coletadas de nossas fontes, que estão compiladas logo abaixo. Não defendemos ideologias ou posicionamentos políticos em nossos trabalhos. Somos a favor de um trabalho ético e transparente para com os nossos leitores e seguidores.
Neste texto tentamos condensar todos os aspectos, pelo menos os mais importantes, no esforço de compreender as causas, os desdobramentos e as consequências mais relevantes em torno do tema abordado. Se deseja saber mais sobre o tema aconselhamos que você pesquise mais a fundo.
A roda dos expostos da rua Santa Teresa (Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro).
Ilustração de Thomas Ewbank, 1845. (Reprodução/Gazeta do Povo)
Ilustração de Thomas Ewbank, 1845. (Reprodução/Gazeta do Povo)
Ninguém jamais soube onde Bárbara enterrava os corpos dos meninos e meninas que sacrificava. Alguns especulam que os mesmos tenham ocorrido em sua própria casa na extinta Praça Onze, onde ela também teria feito seus sacrifícios e rituais. Por coincidência ou não as freiras da Santa Casa de Misericórdia notaram que o número de crianças ali abandonadas caíra a menos da metade durante o período da atividade macabra de Bárbara.
A polícia teria sido alertada dos desaparecimentos, mas não conseguiu capturar Bárbara, que já carregava nas costas pelo menos dois assassinatos. Ela aparece nos registros policiais da época como Bárbara dos Prazeres e também como Bárbara Onça. Não se sabe quando ela morreu, nem se é verdadeira a história de que a expressão “A onça vai te pegar” usada por mães para assustar as crianças teria nela sua origem. Teses defendem que nesse período surgiu a expressão “cuidado que a bruxa está solta”.
O que se sabe é que sua história assustadora e trágica perdurou mais do que perdurou sua vida. Dizem que até hoje em certas madrugadas sem lua quando já partiram os últimos garçons dos bares da travessa do comércio e cessou o movimento da boemia escuta-se no beco a gargalhada de Bárbara dos Prazeres ecoando assustadoramente pelos vazios escuros do Arco do Teles.
Este artigo foi redigido por Fernanda Flores. A autora permite a livre divulgação deste texto e a tradução integral ou parcial do mesmo, sem alterações ou falsificações, para outras línguas desde que seja citada a fonte e a autoria.
Sobre imparcialidade e o conteúdo:
Este artigo foi escrito da maneira mais isenta possível, de acordo com as informações coletadas de nossas fontes, que estão compiladas logo abaixo. Não defendemos ideologias ou posicionamentos políticos em nossos trabalhos. Somos a favor de um trabalho ético e transparente para com os nossos leitores e seguidores.
Neste texto tentamos condensar todos os aspectos, pelo menos os mais importantes, no esforço de compreender as causas, os desdobramentos e as consequências mais relevantes em torno do tema abordado. Se deseja saber mais sobre o tema aconselhamos que você pesquise mais a fundo.
Veja o vídeo que eu fiz no local.
Este artigo deu origem ao vídeo Bárbara dos Prazeres – A Bruxa Vampira do Arco do Teles postado no canal Penumbra no YouTube, assista clicando no link abaixo:
https://www.youtube.com/watchtime_continue=39&v=b8v4gSwmE6Q&feature=emb_title
Ouça o sexto episódio do podcast Cena do Crime sobre Bárbara dos Prazeres. No qual Fernanda Flores, autora deste artigo, participou ao lado de Isabelle Reis:
https://open.spotify.com/episode/191BSRgxOjfky9nEYkrav9?t=0
Fontes consultadas:
REZZUTTI, Paulo. Mulheres do Brasil: A história não contada. 1° ed. Rio de Janeiro: Leya, 2018.
ENGEL, Magali Gouveia. Os delírios da razão: médicos, loucos e hospícios (Rio de Janeiro, 1830-1930). – Rio de Janeiro, FrioCruz, 2001.
FILHO, Alexandre José Melo Morais. Chronica geral e minuciosa do Imperio do Brazil desde a descoberta do Novo Mundo ou America ate o anno de 1879. – Rio de Janeiro: Typographia-Carioca, 1879.
FILHO, José Melo Morais. História e costumes. – Rio de Janeiro: H Garnier Livreiro Editor, 1904.
RIBEIRO, Fernando Barata. Crônicas da Polícia e da Vida do Rio de Janeiro. – Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa Nacional, 1958.
SCHUMA, Schumaher. RIBEIRO, Sandra. Bárbara dos Prazeres: uma história curiosa (século XVIII). Disponível em:
http://www.mulher500.org.br/wp-content/uploads/2017/06/247_Barbara_dos_Prazeres.pdf
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