Quase humanos
Neurocientistas publicam manifesto afirmando que mamíferos, aves e até polvos têm consciência e esquentam debate sobre direitos dos animais
Chimpanzé alimenta um filhote de tigre dourado, em mini zoológico na cidade de Samutprakan, Tailândia: percepção de sua própria existência e do mundo ao seu redor (Rungroj Yongrit/EFE)
Os seres humanos não são os únicos animais que têm consciência. A afirmação não é de ativistas radicais defensores dos direitos dos animais. Pelo contrário. Um grupo de neurocientistas — doutores de instituições de renome como Caltech, MIT e Instituto Max Planck — publicou um manifesto asseverando que o estudo da neurociência evoluiu de modo tal que não é mais possível excluir mamíferos, aves e até polvos do grupo de seres vivos que possuem consciência. O documento divulgado no último sábado (7), em Cambridge, esquenta uma discussão que divide cientistas, filósofos e legisladores há séculos sobre a natureza da consciência e sua implicação na vida dos humanos e de outros animais.
Apresentado à Nasa nesta quinta-feira, o manifesto não traz novas descobertas da neurociência — é uma compilação das pesquisas da área. Representa, no entanto, um posicionamento inédito sobre a capacidade de outros seres perceberem sua própria existência e o mundo ao seu redor. Em entrevista ao site de VEJA, Philip Low, criador do iBrain, o aparelho que recentemente permitiu a leitura das ondas cerebrais do físico Stephen Hawking, e um dos articuladores do movimento, explica que nos últimos 16 anos a neurociência descobriu que as áreas do cérebro que distinguem seres humanos de outros animais não são as que produzem a consciência. "As estruturas cerebrais responsáveis pelos processos que geram a consciência nos humanos e outros animais são equivalentes", diz. "Concluímos então que esses animais também possuem consciência."
Apresentado à Nasa nesta quinta-feira, o manifesto não traz novas descobertas da neurociência — é uma compilação das pesquisas da área. Representa, no entanto, um posicionamento inédito sobre a capacidade de outros seres perceberem sua própria existência e o mundo ao seu redor. Em entrevista ao site de VEJA, Philip Low, criador do iBrain, o aparelho que recentemente permitiu a leitura das ondas cerebrais do físico Stephen Hawking, e um dos articuladores do movimento, explica que nos últimos 16 anos a neurociência descobriu que as áreas do cérebro que distinguem seres humanos de outros animais não são as que produzem a consciência. "As estruturas cerebrais responsáveis pelos processos que geram a consciência nos humanos e outros animais são equivalentes", diz. "Concluímos então que esses animais também possuem consciência."
O que é consciência?
PARA A FILOSOFIA
Filosoficamente, é o entendimento que uma criatura tem sobre si e seu lugar na natureza. Alguns atributos definem a consciência, como ser senciente, ou seja, sentir o mundo à sua volta e reagir a ele; estar alerta ou acordado ou ter consciência sobre si mesmo (o que, para a filosofia já basta para incluir alguns animais “não-linguísticos” entre os seres com consciência).Fonte: Enciclopédia de Filosofia de Stanford
Filosoficamente, é o entendimento que uma criatura tem sobre si e seu lugar na natureza. Alguns atributos definem a consciência, como ser senciente, ou seja, sentir o mundo à sua volta e reagir a ele; estar alerta ou acordado ou ter consciência sobre si mesmo (o que, para a filosofia já basta para incluir alguns animais “não-linguísticos” entre os seres com consciência).Fonte: Enciclopédia de Filosofia de Stanford
PARA A CIÊNCIA
A ciência considera como consciência as percepções sobre o mundo e as sensações corporais, junto com os pensamentos, memórias, ações e emoções. Ou seja, tudo o que escapa aos processos cerebrais automáticos e chega à nossa atenção. O conteúdo da consciência geralmente é estudado usando exames de imagens cerebrais para comparar quais estímulos chegam à nossa atenção e quais não. Como resumiu o neurocientista Bernard Baars, em 1987, o cérebro é como um teatro no qual a maioria dos eventos neurais são inconscientes, portanto acontecem “nos bastidores”, enquanto alguns poucos entram no processo consciente, ou seja, chegam ao “palco”.
A ciência considera como consciência as percepções sobre o mundo e as sensações corporais, junto com os pensamentos, memórias, ações e emoções. Ou seja, tudo o que escapa aos processos cerebrais automáticos e chega à nossa atenção. O conteúdo da consciência geralmente é estudado usando exames de imagens cerebrais para comparar quais estímulos chegam à nossa atenção e quais não. Como resumiu o neurocientista Bernard Baars, em 1987, o cérebro é como um teatro no qual a maioria dos eventos neurais são inconscientes, portanto acontecem “nos bastidores”, enquanto alguns poucos entram no processo consciente, ou seja, chegam ao “palco”.
Estudos recentes, como os da pesquisadora Diana Reiss (uma das cientistas que assinaram o manifesto), da Hunter College, nos Estados Unidos, mostram que golfinhos e elefantes também são capazes de se reconhecer no espelho. Essa capacidade é importante para definir se um ser está consciente. O mesmo vale para chimpanzés e pássaros. Outros tipos de comportamento foram analisados pelos neurocientistas. "Quando seu cachorro está sentindo dor ou feliz em vê-lo, há evidências de que no cérebro deles há estruturas semelhantes às que são ativadas quando exibimos medo e dor e prazer", diz Low.
Personalidade animal - Dizer que os animais têm consciência pode trazer várias implicações para a sociedade e o modo como os animais são tratados. Steven Wise, advogado e especialista americano em direito dos animais, diz que o manifesto chega em boa hora. "O papel dos advogados e legisladores é transformar conclusões científicas como essa em legislação que ajudará a organizar a sociedade", diz em entrevista ao site de VEJA. Wise é líder do Projeto dos Direitos de Animais não Humanos. O advogado coordena um grupo de 70 profissionais que organizam informações, casos e jurisprudência para entrar com o primeiro processo em favor de que alguns animais — como grandes primatas, papagaios africanos e golfinhos — tenham seu status equiparado ao dos humanos.
O manifesto de Cambridge dá mais munição ao grupo de Wise para vencer o caso. "Queremos que esses animais recebam direitos fundamentais, que a justiça as enxergue como pessoas, no sentido legal." Isso, de acordo com o advogado, quer dizer que esses animais teriam direito à integridade física e à liberdade, por exemplo. "Temos que parar de pensar que esses animais existem para servir aos seres humanos", defende Wise. "Eles têm um valor intrínseco, independente de como os avaliamos."
Questão moral - O manifesto não decreta o fim dos zoológicos ou das churrascarias, muito menos das pesquisas médicas com animais. Contudo, já foi suficiente para provocar reflexão e mudança de comportamento em cientistas, como o próprio Low. "Estou considerando me tornar vegetariano", diz. "Temos agora que apelar para nossa engenhosidade, para desenvolver tecnologias que nos permitam criar uma sociedade cada vez menos dependente dos animais." Low se refere principalmente à pesquisa médica. Para estudar a vida, a ciência ainda precisa tirar muitas. De acordo com o neurocientista, o mundo gasta 20 bilhões por ano para matar 100 milhões de vertebrados. Das moléculas medicinais produzidas por esse amontoado de dinheiro e mortes, apenas 6% chega a ser testada em seres humanos. "É uma péssima contabilidade", diz Low.
Contudo, a pesquisa com animais ainda é necessária. O endocrinologista americano Michael Conn, autor do livro The Animal Research War, sem edição no Brasil, argumenta que se trata de uma escolha priorizar a espécie humana. "Conceitos como os de consentimento e autonomia só fazem sentido dentro de um código moral que diz respeito aos homens, e não aos animais", disse em entrevista ao site de VEJA. "Nossa obrigação com os animais é fazer com que eles sejam devidamente cuidados, não sofram nem sintam dor — e não tratá-los como se fossem humanos, o que seria uma ficção", argumenta. "Se pudéssemos utilizar apenas um computador para fazer pesquisas médicas seria ótimo. Mas a verdade é que não é possível ainda."
Personalidade animal - Dizer que os animais têm consciência pode trazer várias implicações para a sociedade e o modo como os animais são tratados. Steven Wise, advogado e especialista americano em direito dos animais, diz que o manifesto chega em boa hora. "O papel dos advogados e legisladores é transformar conclusões científicas como essa em legislação que ajudará a organizar a sociedade", diz em entrevista ao site de VEJA. Wise é líder do Projeto dos Direitos de Animais não Humanos. O advogado coordena um grupo de 70 profissionais que organizam informações, casos e jurisprudência para entrar com o primeiro processo em favor de que alguns animais — como grandes primatas, papagaios africanos e golfinhos — tenham seu status equiparado ao dos humanos.
O manifesto de Cambridge dá mais munição ao grupo de Wise para vencer o caso. "Queremos que esses animais recebam direitos fundamentais, que a justiça as enxergue como pessoas, no sentido legal." Isso, de acordo com o advogado, quer dizer que esses animais teriam direito à integridade física e à liberdade, por exemplo. "Temos que parar de pensar que esses animais existem para servir aos seres humanos", defende Wise. "Eles têm um valor intrínseco, independente de como os avaliamos."
Questão moral - O manifesto não decreta o fim dos zoológicos ou das churrascarias, muito menos das pesquisas médicas com animais. Contudo, já foi suficiente para provocar reflexão e mudança de comportamento em cientistas, como o próprio Low. "Estou considerando me tornar vegetariano", diz. "Temos agora que apelar para nossa engenhosidade, para desenvolver tecnologias que nos permitam criar uma sociedade cada vez menos dependente dos animais." Low se refere principalmente à pesquisa médica. Para estudar a vida, a ciência ainda precisa tirar muitas. De acordo com o neurocientista, o mundo gasta 20 bilhões por ano para matar 100 milhões de vertebrados. Das moléculas medicinais produzidas por esse amontoado de dinheiro e mortes, apenas 6% chega a ser testada em seres humanos. "É uma péssima contabilidade", diz Low.
Contudo, a pesquisa com animais ainda é necessária. O endocrinologista americano Michael Conn, autor do livro The Animal Research War, sem edição no Brasil, argumenta que se trata de uma escolha priorizar a espécie humana. "Conceitos como os de consentimento e autonomia só fazem sentido dentro de um código moral que diz respeito aos homens, e não aos animais", disse em entrevista ao site de VEJA. "Nossa obrigação com os animais é fazer com que eles sejam devidamente cuidados, não sofram nem sintam dor — e não tratá-los como se fossem humanos, o que seria uma ficção", argumenta. "Se pudéssemos utilizar apenas um computador para fazer pesquisas médicas seria ótimo. Mas a verdade é que não é possível ainda."
A inteligência dos polvos
O vídeo mostra diversas situações em que o polvo consegue resolver problemas. Desde a captura de presas em diferentes tipos de recipientes até escapar de locais extremamente difíceis. As situações mostram que o animal é capaz de formular soluções para problemas específicos, o que denota, na opinião dos neurocientistas, um estado de consciência inteligente.
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