O holocausto comunista
Vencedora do prêmio Pulitzer, Anne Applebaum mergulhou nos arquivos secretos da URSS para mostrar os bastidores de um regime assassino
por Alexandre Petillo
A jornalista Anne Applebaum começou a desconfiar que alguma coisa estava errada quando percebeu um número crescente de jovens usando camisetas com símbolos soviéticos, em especial a foice e o martelo. Foi aí que ela se perguntou por que as pessoas toleram e até aceitam um regime cruel como o comunismo da União Soviética enquanto desprezam veementemente o nazismo.
Ex-correspondente da revista The Economist na Europa Oriental, Anne teve acesso aos arquivos oficiais, até então secretos, do comunismo soviético. Entrevistou sobreviventes e analisou documentos até desembocar no livro Gulag, a History (“Gulag, uma História”, inédito no Brasil ), que devassa a máquina de matar montada pelo stalinismo.
O livro narra a história dos campos de trabalho soviéticos e descreve o dia-a-dia desses lugares – e todas as atrocidades cometidas em nome da foice e do martelo. Com Gulag, Anne ganhou o Pulitzer de 2004, mais importante prêmio do jornalismo. De Washington, onde é colunista e integrante do conselho editorial do jornal The Washington Post, a jornalista falou com a Super.
O que exatamente era o Gulag?
Quem foi o responsável pela criação desses campos?
É possível comparar o gulag a um campo de concentração nazista?
A definição de “inimigo” era muito mais
enganosa que a definição de “judeu” na Alemanha nazista. Salvo pequenas
exceções, nenhum judeu poderia mudar seu status e escapar com vida do
nazismo. Enquanto milhões de prisioneiros soviéticos temiam morrer – e
milhões morreram –, não existia nenhuma categoria particular cuja morte
era garantida. Alguns poderiam provar seu valor e trabalhar em empregos
confortáveis, como engenheiros ou geólogos, em que tinham a integridade
preservada.
A polícia secreta usava “emanações exaustivas”, espécie primitiva de gás mortal, como os nazistas faziam antes de ter as câmaras de gás. Prisioneiros também morriam por negligência. Eram mandados para cortar árvores durante o inverno e morriam de frio. Trancados em celas punitivas, morriam de fome. Doentes eram largados em hospitais sem aquecimento e comida. Os campos soviéticos não foram criados para produzir cadáveres em massa – no entanto, acabaram produzindo.
Você disse que as definições de “inimigo” no
regime soviético eram elásticas. Qual era, então, a razão que a polícia
secreta encontrava para prender pessoas?
Por que as potências do Ocidente não agiram contra esse regime?
Havia também o conceito que o ocidente fazia do comunismo. Nos anos 30, jornalistas americanos foram enviados para tentar aprender as regras na União Soviética. Um deles, do The New York Times, passou alguns anos por lá e voltou escrevendo que o regime era um sucesso – ganhou um prêmio Pulitzer pela reportagem. O fato de Stálin ser um dos aliados contra Hitler na Segunda Guerra também ajudou a ignorar a verdade sobre a repressão.
Chefes de Estado como Roosevelt e Churchill apareciam sempre ao lado dele. No campo das idéias, intelectuais de esquerda apoiaram o regime soviético nos anos 50 e 60. Jean-Paul Sartre voltou de uma viagem para a Rússia, em 1954, declarando que existia liberdade de crítica e imprensa na União Soviética. Seria leviano dizer que ele mentiu. Prefiro acreditar que ele apenas não queria que outros soubessem a verdade.
Os crimes de Stálin foram debatidos à altura da discussão gerada pelo nazismo?
Na Alemanha pós-nazismo, as atrocidades ficaram na mente das pessoas. Na Rússia pós-soviética, essas memórias são confusas, com a presença de atrocidades que vieram após o colapso econômico, como penúria e conflitos internos. Essa desinformação é útil para o governo. Os russos não teriam invadido a Chechênia se lembrassem o que Stálin fez com o chechenos.
Na Segunda Guerra, os chechenos foram acusados de colaborar com nazistas. Em vez de punir os colaboradores, que realmente existiam, Stálin puniu toda a nação. Colocou homens, mulheres, velhos e crianças em caminhões de gado e soltou-os no deserto da Ásia Central. Metade morreu. Invadir a Chechênia de novo tem o equivalente moral de a Alemanha invadir a Polônia outra vez. Mas poucos russos vêem a situação dessa maneira.
Anne Applebaum
• Tem 40 anos• Adora ler livros infantis que compra para os filhos– em especial Alice no País das Maravilhas e Dr. Doolittle
• Escreve pelas manhãs, quando tem mais concentração. Se precisa trabalhar à tarde, tira uma soneca de 20 minutos depois do almoço
• É casada com o escritor polonês Radek Sikorski, que conheceu no Muro de Berlim logo após sua queda. “Ele do Oriente, eu ocidental, o muro derrubado... Acabamos ficando juntos”, conta
http://super.abril.com.br/historia/holocausto-comunista-444552.shtml
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